No Brasil atual é comum encontrarmos casos de pessoas negras sendo expostas a violências e preconceitos, o que denomina-se como racismo; quando pensamos em mulheres negras podemos adicionar a violência obstétrica, como algo corriqueiro para esse grupo. A coluna hoje se propõe a explorar um pouco mais sobre esse Universo.
Em linhas gerais podemos definir o racismo como uma forma de preconceito e discriminação levando-se em consideração a cor da pele, raça, religião, dentre outros. A Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância - firmada pelo Brasil em 05 de junho de 2013, tendo sido ratificado e incorporado ao Brasil em 27 de junho de 2021 e ainda, tendo sido promulgado pelo Decreto 10.932/2022 - define racismo no art. 1º, 4, como:
“Racismo consiste em qualquer teoria, doutrina, ideologia ou conjunto de ideias que enunciam um vínculo causal entre as características fenotípicas ou genotípicas de indivíduos ou grupos e seus traços intelectuais, culturais e de personalidade, inclusive o falso conceito de superioridade racial. O racismo ocasiona desigualdades raciais e a noção de que as relações discriminatórias entre grupos são moral e cientificamente justificadas. Toda teoria, doutrina, ideologia e conjunto de ideias racistas descritas neste Artigo são cientificamente falsas, moralmente censuráveis, socialmente injustas e contrárias aos princípios fundamentais do Direito Internacional e, portanto, perturbam gravemente a paz e a segurança internacional, sendo, dessa maneira, condenadas pelos Estados Partes.”
Segundo dados da Datafolha de 2024, em pesquisa com parte da população brasileira, 59% considera que a população é racista, tal percepção é majoritária tanto entre brancos (55%) quanto entre pretos (64%) e pardos (60%). De acordo com Folha, 74% das mulheres acham que todos ou a maioria dos brasileiros são racistas. Entre os homens, esses dois grupos somam 45%.
A violência obstétrica pode ser compreendida como um tipo de violência de gênero que ocorre essencialmente com mulheres, no período do pré-natal, parto e pós parto, que manifesta-se por abusos cometidos, sejam eles físicos ou psicológicos, sendo cometidos pelos profissionais de saúde; falhas estruturais de clínicas, hospitais e do sistema de saúde como um todo, também compõe a violência obstétrica.
Conforme dados preliminares do estudo “Nascer no Brasil 2”, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), as adolescentes/mulheres com mais de 35 anos, negras, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), com baixa escolaridade, são as mulheres que mais tem riscos de sofrer violências obstétricas. Tais dados somam-se ainda, aos dados coletados pela Fundação Perseu Abramo em que há a afirmativa de que:
“Normalmente as mulheres de renda mais baixa têm uma assistência que não dá nenhum direito a escolha sobre procedimentos. Os serviços atendem essas mulheres para um parto vaginal com várias intervenções que não correspondem ao padrão ouro da assistência, como ficar sem acompanhante e serem submetidas a procedimentos invasivos que não deveriam ser usados a não ser com extrema cautela, como o descolamento das membranas, que é muito agressivo, doloroso, aumenta o risco de lesão de colo e infecções, a ruptura da bolsa, como aceleração do parto.”
Curiosamente a lei 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, não faz qualquer menção à obstaculização de acesso à saúde e assistência à saúde, todavia o art. 20-C, que foi adicionado à lei apenas em 2023, abre espaço para interpretação do juiz em casos em que houver qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência; certamente em relatos em que a mulher não recebe analgesia no momento do parto, uma violência obstétrica muito característica desse grupo de mulheres, se encaixaria em um caso de constrangimento e humilhação, incidindo assim também em um crime de racismo, todavia não foram encontradas jurisprudências nesse sentido.
A coluna de hoje é muito mais uma provocação para que como sociedade possamos partir de outras óticas de pensamento, não só a nossa, do nosso espaço e da nossa redoma, precisamos ampliar os espaços, ampliar a forma de pensar, para que possamos chegar de fato a uma sociedade antirracista; essa coluna é nada mais, nada menos que a tentativa de exercício do pensamento de Angela Davis: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista". Espero que tenha cumprido esse papel!
Gabriela Passos de Barros Borges - Advogada, especializada em casos de violência obstétrica; habilitada para confecção de testamento vital; especialista em Direito Tributário, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Conciliadora do CEJUC/Justiça Federal do TRF6 e Agente de serviços previdenciários no IPSERV.
Mín. 19° Máx. 28°
Mín. 18° Máx. 29°
ChuvaMín. 17° Máx. 29°
Chuvas esparsas