Na última quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025, a Prefeitura de São Paulo reduziu a escombros um dos mais importantes territórios de resistência da cultura negra na cidade. Sem aviso prévio, sem diálogo com a comunidade e sem o mínimo respeito pelo legado de Mestre Meinha, agentes públicos perpetraram um ato brutal contra a história e a identidade do povo negro.
Com tratores e marretas, destruíram não apenas uma construção física, mas um espaço de memória coletiva, um bastião de tradição e pertencimento. Foram ao chão instrumentos musicais, imagens sagradas e toda a estrutura da escola. O que se perdeu não foi apenas um prédio, mas um templo de saberes ancestrais, onde a cultura era transmitida de corpo para corpo, de geração para geração, perpetuando uma tradição forjada na resistência.
Mestre Meinha, um dos maiores nomes da Capoeira Angola, dedicou mais de 40 anos à formação de jovens e à preservação da cultura afro-brasileira. Sua escola era mais do que um espaço de prática corporal; era um quilombo de conhecimento, um território onde a ancestralidade se manifestava em movimento, em música e em espírito.
A destruição da Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul não foi um acidente. Foi um atentado deliberado contra a memória, contra a cultura e contra a dignidade de um povo.
A brutalidade dessa ação foi denunciada nas redes sociais pelo Trenel Dj Capoeira, revelando ao mundo a forma desrespeitosa e violenta com que a cultura negra segue sendo tratada pelo Estado. Esse episódio não foi isolado. Ele faz parte de um projeto histórico de apagamento que insiste em marginalizar, invisibilizar e descartar os territórios negros, como se nossa história fosse um estorvo, e não um pilar fundamental da identidade brasileira.
A Constituição Federal de 1988, no artigo 216, estabelece de forma inequívoca que o patrimônio cultural brasileiro – material e imaterial – deve ser protegido como referência identitária e histórica dos diferentes grupos formadores da sociedade. O Poder Público tem o dever de garantir essa proteção por meio de inventários, registros, vigilância e tombamento.
No mesmo sentido, o Decreto nº 3.551/2000 reforça essa obrigação ao instituir o Registro do Patrimônio Cultural Imaterial, assegurando reconhecimento oficial a expressões culturais como a capoeira. Além disso, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) impõe ao Estado a salvaguarda das manifestações culturais afro-brasileiras, assegurando a preservação de espaços que mantêm viva a identidade negra.
Na teoria, a lei protege. Na realidade, o racismo institucional continua destruindo.
A destruição da escola de Mestre Meinha gerou indignação e mobilização em toda a comunidade negra engajada na luta por direitos e reconhecimento. O movimento negro, entidades culturais e organizações de direitos humanos repudiaram veementemente essa violência, exigindo a responsabilização dos envolvidos e a imediata reconstrução do espaço. Mas é preciso ir além. Não basta remediar os estragos: é necessário garantir que territórios culturais negros nunca mais sejam tratados como descartáveis.
Como já mencionado, a destruição da escola de Mestre Meinha não é um fato isolado, mas parte de um processo histórico de apagamento da cultura afro-brasileira. No entanto, nossa história não será calada. Nossa memória não será apagada. Cada roda de capoeira, cada toque de berimbau, cada corpo que se movimenta carrega séculos de luta, resistência e afirmação.
A destruição da Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul é um crime contra a identidade do Brasil e expõe, mais uma vez, o racismo institucional que estrutura o Estado. Esse crime não pode ficar impune. O Estado, por meio de seus representantes, deve ser responsabilizado e indenizar Mestre Meinha e a sociedade, que não perdeu apenas um espaço físico, mas um acervo cultural inestimável — instrumentos, imagens sagradas, registros históricos e um patrimônio imaterial que atravessa gerações.
Exigimos que as autoridades competentes se manifestem e tomem providências concretas para reparar essa violência. Que a escola seja reconstruída, que os responsáveis sejam punidos e que nunca mais um espaço de cultura negra seja tratado como descartável.
A capoeira é luta. A luta continua. Mestre Meinha, estamos juntos no combate contra o racismo, pela preservação da nossa história e pela resistência da capoeira.
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