O racismo institucional é um dos pilares da manutenção das desigualdades raciais nas sociedades contemporâneas. Ele se manifesta de maneira estrutural, influenciando desde o acesso à educação e à saúde até as oportunidades econômicas e políticas. Dentro desse sistema, a branquitude desempenha um papel central, estabelecendo e consolidando mecanismos de exclusão, mas também criando estratégias de acomodação e controle.
Uma dessas estratégias é o uso político de corpos negros em espaços de poder, uma tática que visa fragmentar a luta antirracista e desarticular resistências coletivas.
O racismo institucional se caracteriza por políticas, práticas e normas que perpetuam desigualdades raciais, mesmo na ausência de uma intenção declarada de discriminação.
Ele está presente nas instituições governamentais, empresariais e acadêmicas, garantindo que a supremacia branca permaneça intacta. O conceito de branquitude, por sua vez, refere-se ao lugar de privilégio social, histórico e econômico ocupado por pessoas brancas, que determinam as regras do jogo e definem os limites da inclusão negra.
Ao longo da história, a branquitude soube se adaptar para manter sua hegemonia. Se no passado a segregação explícita era o modus operandi, hoje a inclusão simbólica e controlada de pessoas negras funciona como uma forma de disfarçar e perpetuar o racismo estrutural.
A presença de pessoas negras em espaços de poder nem sempre representa um avanço real na luta antirracista. Em muitos casos, essa inclusão é estrategicamente calculada para dar uma aparência de diversidade e progresso, sem de fato comprometer as estruturas de privilégio racial, podemos lembrar do ex-presidente da Fundação Palmares, homem negro, que foi usado pelo sistema para prejudicar os negros. Essa política de concessões seletivas utiliza algumas figuras negras como simbolismos vazios, sem que suas vozes tenham real impacto sobre decisões institucionais.
Essa tática divide o movimento negro de dentro para fora. Ao promover a ascensão de alguns indivíduos negros, cria-se uma ilusão de representatividade que muitas vezes os distancia da luta coletiva. Dessa forma, a luta antirracista é enfraquecida, pois a crítica ao sistema passa a ser diluída pelo discurso de meritocracia e mobilidade social individual.
O reconhecimento público de alguns corpos negros escolhidos a dedo pelo sistema pode ser usado para despolitizar a luta e transformar o combate ao racismo em uma questão de indivíduos, e não de estrutura.
Observa-se que o foco muitas vezes passa-se para o EU (individual) e não o NÓS (coletivo) em um movimento articulado para envaidecer uns enquanto outros permanecem distraídos e iludidos com um falso pertencimento de algo que esta se esvaziando.
Esse mecanismo de cooptação é reforçado por narrativas de exceção, que exaltam indivíduos naquele espaço enquanto silenciam as reivindicações coletivas por justiça racial.
A vaidade – alimentada pelo status, pelo reconhecimento branco e pela sensação de pertencimento a um espaço historicamente negado – torna-se uma ferramenta de controle.
Onde alguns corpos negros, ao alcançarem posições de destaque, podem se ver incentivados a preservar o status quo, evitando embates diretos com a estrutura racista para não comprometerem suas próprias conquistas, já que há um compromisso tácito de silenciar diante do racismo institucional.
Para que a luta antirracista não seja neutralizada por essa política de fragmentação, é fundamental desenvolver uma consciência crítica sobre a presença negra em espaços de poder. A circularidade e o pertencimento real são essenciais para que as mudanças estruturais aconteçam. Isso significa fortalecer laços dentro da comunidade negra de fora para dentro, criando redes de apoio genuínas com a comunidade e outras instituições, livres de manipulações .
A circularidade representa a construção de um ciclo de saberes, experiências e resistências que não sejam atravessados pela lógica da branquitude, mas sim guiados pelo protagonismo negro. O pertencimento, por sua vez, deve ser construído sem máscaras ou concessões que diluam a identidade e a força do movimento iniciado pelos nossos ancestrais.
A resistência passa pelo fortalecimento das redes de apoio entre pessoas negras, pela valorização do coletivo sobre o individual e pela construção de narrativas que desafiem as estruturas de domínio da branquitude.
Neste sentido, a resistência negra se torna ainda mais essencial diante de uma onda global de ataques a políticas de equidade racial. Recentemente, nos Estados Unidos, após as eleições de Donald Trump, houve o encerramento do funcionamento de agências governamentais responsáveis por programas de diversidade e inclusão. Em Uberaba, não foi garantido no Plano Plurianual verbas para a pauta étnico-racial, apesar de ter sido proposta pelo vereador Baltazar da Farmácia tal destinação, desconsiderando a população negra (pretos e pardos) de acordo com senso do IBGE ser de 56% . Se não bastasse isso, há um movimento articulado através da criação de um Projeto de Lei na Câmara de vereadores de Uberaba que busca extinguir a Comissão Permanente de Igualdade Racial, propondo a fusão com uma nova comissão voltada aos Direitos Humanos e grupos vulneráveis, apagando a especificidade da luta antirracista e o protagonismo da luta.
Da mesma forma, como advogada, não poderia deixar de destacar a ação da 14ª subseção da OAB em Uberaba, que na atual gestão extinguiu a Comissão de Defesa Antirracista. Diferente do que ocorreu com outras comissões, que foram incorporadas a grupos correlatos, essa decisão não apenas ignorou sua integração à Comissão de Promoção da Igualdade Racial, mas simplesmente anulou sua existência. Além disso, a postura de um advogado renomado, que em debates públicos minimiza a existência do racismo, reforça a percepção de que essas ações fazem parte de um movimento institucional maior, estruturado para desmantelar avanços conquistados.
Nesse cenário, nossa resposta deve ser a continuidade da resistência. E resistir, é também recuar estrategicamente para não sermos engolidos pelo sistema, pensando que a luta contra o racismo é muito maior que instituições e segue firme. A história nos mostra que a resiliência e a organização coletiva são armas fundamentais para enfrentar o racismo institucional e suas novas configurações.
Em suma, a luta antirracista precisa estar atenta às armadilhas da inclusão simbólica e da cooptação de indivíduos negros. A presença não pode ser confundida com poder real, e representatividade sem transformação estrutural é apenas mais uma estratégia de perpetuação do racismo institucional. O desafio é garantir que a ocupação de espaços esteja sempre acompanhada de compromisso político, circularidade e estratégias de enfrentamento efetivas contra as estruturas de opressão.
Cabe a nós, enquanto sociedade, não apenas resistir, mas atuar para garantir que a luta antirracista continue avançando, sem concessões ou retrocessos.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal de Uberaba
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