A comunidade LGBTQIAPN+ é vista como uma população que abraça diferenças, abraça a diversidade, abraça o que não se encaixa na caixa heteronormativa. Mas será que todos nós nos sentimos realmente abraçados? Bom... eu não. Fui julgada várias vezes como heterossexual por amigos, amigas, e inclusive por algumas parcerias, já que meus relacionamentos de longo prazo foram com homens cis. Não, em nenhum momento questionei minha sexualidade, desde que me percebi como bissexual. Eu sei o que me atrai e sei quem me atrai. Homens e mulheres, aos meus olhos, são igualmente incríveis de diferentes modos.
Eu já me apaixonei algumas vezes, não mais que uma dezena. Eu me apaixonei por corpos, por beijos, por trocas, por conversas. Nem sempre fui reconhecida como uma mulher bissexual em minhas relações, mesmo que eu fizesse questão de esclarecer desde o início. Fui vista como fruto de uma fantasia sexual ou de uma confusão momentânea, por vezes até como uma cópia do que estava em tendência. Desde muito nova não entendia o porquê de tudo ser colocado num esquema de 8 ou 80, de extremos tão distantes. Ainda não compreendo porque o meio termo é tão malvisto, quando visto, já que na maioria das vezes é anulado como bem citei acima. Às vezes acho que as pessoas têm medo, acho que tem pavor quando percebem que alguém é capaz de viver feliz em duas situações consideradas extremas.
Aos 15 anos, meu imaginário romântico era inteiramente voltado para o sexo oposto até uma conversa virtual com uma garota aguçar meu interesse, trazendo um despertar em minha sexualidade que me deixou com os olhos brilhando e a mente alerta por semanas, pois eu não tinha referências, não sabia o que estava sentindo, se era possível gostar de meninos e meninas de forma romântica. Fiquei com essa questão guardada comigo até o fim do ensino médio. Ao fim da escola parece que um caminho sempre é aberto, né? Bom, para mim foi exatamente assim. Minha melhor amiga se assumiu lésbica para o nosso grupo de amigas e, poucos meses depois, o que estava no meu imaginário tornou-se real. Meu primeiro contato físico com outra garota me trouxe a mesma faísca que senti no meu primeiro contato físico com um garoto. Percebi ali que era plenamente possível sentir amor, desejo, alegria, carinho, tesão por ambos os sexos.
Quando entrei na faculdade decidi viver minha vida sem medo do julgamento dos demais. Acho que quando mais nova, por não ter referências, não falava com ninguém sobre meus gostos, meus desejos, meus sonhos, vivendo sempre à sombra dos demais. Na faculdade vivenciei minha sexualidade em sua plenitude, com paixões e amores errantes, mas buscando cada vez mais compreender quem eu era. Conheci pessoas com as mesmas questões, pessoas que também se sentiam sem espaço de fala, mas que foram deixando aos poucos o seu ofuscamento e encontrando sua voz.
Atualmente, sinto que ainda existem barreiras a serem quebradas, dentro e fora da comunidade, os dizeres e os sentimentos das pessoas bissexuais ainda são colocados em dúvida. Existe um estigma grande sobre o relacionamento afetivo com o bissexual: Ciúmes em dobro, ‘chifre’ em dobro. Sentimos que nossa fidelidade, nosso amor, nosso relacionamento é sempre alvo de chacota. Relevamos no começo, rimos da piada para não deixar o clima chato, mas a verdade é que cansa, a verdade é que já esgotou a nossa paciência.
Relacionar-se é uma escolha, respeitar a pessoa que temos do lado diz mais sobre a nossa índole do que sobre a nossa orientação sexual. O relacionamento com uma pessoa bissexual demanda amor, carinho, respeito, maturidade, paciência. Nada diferente dos demais relacionamentos. Estar aberto para conhecer o outro é o que sustenta nossas relações afetivas/românticas/sexuais e isso envolve todas as nuances, sem ocultar nenhuma parte. Não inviabilize a bissexualidade!
Larissa Guerra Nammur
Fisioterapeuta, mestre em Oncologia, especialista em Saúde da Mulher.
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