Dia desses um cliente meu se deparou com uma propaganda patrocinada no Instagram de uma marca famosa de bicicleta. Mas não era simplesmente uma mera propaganda. Era a Caloi. Quem estava anunciando a promoção era ninguém menos do que o embaixador da marca no Brasil, ou seja, o maior ídolo desse esporte, Henrique Avancini. Para quem entende o mínimo de bike, o que o Avancini fala, os fãs assinam embaixo. Porém, muita calma nessa hora!
A propaganda em questão dizia que a Caloi estava com uma promoção imbatível. Não era sorteio, era brinde mesmo. Quem respondesse um quiz com 5 perguntas básicas sobre bicicleta ganharia um dos modelos da nova linha de entrada da Caloi. Ou seja, modelos para quem está iniciando no esporte ou não pretende gastar tanto por enquanto. Após responder o questionário, a pessoa é levada a outra aba onde tem direito a escolher uma das bicicletas disponíveis. De acordo com esse cliente, duas bikes consideradas mais tops já estavam com o estoque esgotado, portanto, ainda restavam outros quatro modelos. Ele então clicou no de maior valor, uma de R$ 3.900.
No saldo a pagar, constava o valor de R$ 0. Tudo certo até aí. Na parte final da compra é que veio a primeira dúvida. Após confirmar seus dados e endereço de entrega, o site cobrou uma taxa de entrega, que tinha um valor pelos Correios e outro menor por empresa terceirizada. Meu amigo optou pelo menor valor, de R$ 29,80. Em seguida, antes de finalizar a compra veio outra mensagem alegando uma taxa complementar de R$ 47,55 referente ao tamanho do pacote. Por se tratar de uma bicicleta, meu amigo pensou: “ok, eles vão precisar embalar corretamente para fazer a entrega”. Antes de concluir o pedido, ainda teve o aviso de pagamento de uma última taxa, no valor de R$ 35,38 a qual meu cliente nem lembra mais, mas acredita que fosse referente a uma taxa administrativa da operadora. Ambos os pagamentos só tinham a opção via PIX, totalizando uma despesa de R$ 112,73.
Em cada uma das etapas de pagamento dessas taxas, meu cliente observou os comentários na página da empresa. Todos falando bem do produto e da entrega, rápida e eficiente. Para quem estava ansioso por receber uma nova bike, o que seria pagar R$ 112,73? Acontece que logo após completar todo o processo de pagamento e preenchimento das informações veio a dúvida: “será que cai mesmo num golpe? Não é possível!”.
Esse cliente correu para seu notbook e fez o que deveria ter feito antes mesmo de dar o primeiro clique na propaganda da rede social. Ao abrir o site da Caloi, eis que a primeira informação que surge em destaque era um comunicado oficial: “A Caloi não está realizando nenhum tipo de ação promocional ou sorteio por meio de atletas ou embaixadores...”
Não satisfeito com as informações, entrou novamente na rede social e buscou pelo perfil oficial da empresa. Lá estava o post comunicando o alerta de golpe. A postagem foi feita no dia 23 de agosto, e até a última sexta-feira (27/9) havia 188 comentários, a maioria de pessoas que caíram na farsa ou que descobriram pouco antes de efetuar algum pagamento. Alguns pagaram só a primeira taxa, outros foram até o final na expectativa de ter uma Caloi.
Dessa história, quero destacar dois pontos que me chamaram a atenção e que servem de alerta aos desavisados. O primeiro é o uso cada vez mais eficiente da Inteligência Artificial pelos golpistas. A técnica usada para ludibriar os clientes foi uma deepfake do Henrique Avancini. Um vídeo em que aparece o atleta e embaixador da marca chamando para a promoção. Ou seja, um conteúdo manipulado e altamente convincente. A página, segundo esse cliente lesado, tinha todos os aspectos de um perfil oficial, com conteúdo patrocinado, chamando para a ação (Saiba mais) e com possibilidade de rolagem das informações.
O segundo ponto de alerta é o uso de gatilhos mentais, uma técnica de persuasão bastante utilizada em vendas e que se aprende em cursos de oratória e outros com conteúdo de inteligência emocional. Pelos relatos de meu cliente, consegui identificar ao menos três gatilhos mentais usados pelos golpistas. Um deles é o da urgência. Havia um cronômetro que marcada o tempo restante da promoção, no caso, menos de 30 minutos. Para uma pessoa que iludida com uma propaganda atrativa de um produto que tanto deseja, essa artimanha é o principal chamado para a ação. Outro gatilho identificado é o da escassez. “Resta pouco tempo”, “está acabando”, “últimas unidades” são algumas frases usadas para atrair o cliente, no caso, vítima.
O terceiro gatilho que consegui perceber pelos relatos é o da prova social. No perfil falso havia vários depoimentos de pessoas que alegavam ter recebido sua bicicleta, que a entrega foi rápida, que elogiavam a Caloi e os modelos. Ou seja, todo um caminho foi bem traçado para que as vítimas não percebessem se tratar de um golpe.
Para completar, deixo abaixo cinco dicas básicas que podem ajudar a evitar cair em golpes e identificar conteúdos fraudulentos.
1- Desconfie de promoções e preços muito abaixo do que as marcas praticam. Aquela máxima de que “não existe almoço de graça” serve muito bem para o caso de compras online. Ninguém sai distribuindo produtos ou dando descontos mirabolantes para ter sua marca em evidência. Quanto mais, uma marca que já tem seu lugar garantido no mercado.
2- Erros de concordância, palavras escritas de maneira errada e frases mal elaboradas são indícios de que a página ou perfil em questão pode ser falso. Na dúvida, pesquise o site oficial da marca, leia os comentários e confira o endereço de rede (URL).
3- O excesso de comentários elogiando a marca, o produto ou o atendimento é um evidente sinal de alerta. Imagina um produto com 100% de aprovação. Se estiver somente comentários positivos, cuidado.
4- O inverso dos elogios também requer cuidado. Uma página que tenha muitas críticas a um determinado produto ou atendimento é sinal de que alguma coisa não está bem. Geralmente, quando uma pessoa cai no golpe faz questão de registrar sua queixa justamente para evitar que outros também sejam enganados.
5- O uso de inteligência artificial na produção de publicidade deu um novo impulso aos comerciais, tornando o produto mais atrativo. Mas, por outro lado, é importante identificar possível manipulação do conteúdo. Seja uma foto, vídeo, voz ou situação produzida artificialmente na tentativa de enganar as pessoas. Preste atenção se a fala está condizente com os movimentos da boca e gestos da pessoa. O ritmo de voz, tonalidade e desenvoltura na fala também podem relevar muito sobre o conteúdo.
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