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O Papai Noel que Nunca Vimos: O Natal é para Todos?

Por trás das luzes e do encanto, as desigualdades sociais e raciais escancaram quem realmente pode celebrar o Natal no Brasil.

24/12/2024 21h47
Por: Ivanda Nivaldete Vieira da Cruz Conessa
Ubirajara Araú é o primeiro Papai Noel de um shopping de Salvador — Foto: Alan Oliveira/G1
Ubirajara Araú é o primeiro Papai Noel de um shopping de Salvador — Foto: Alan Oliveira/G1

É Natal. As ruas estão iluminadas, as vitrines decoradas com tons de vermelho, verde e dourado, enquanto o comércio exibe incessantemente a figura de um velho homem branco, barrigudo e sorridente: o Papai Noel. Ele é o símbolo universal do Natal, mas será que ele representa todos? Mais importante, será que o Natal é uma celebração universal ou uma data que escancara ainda mais as desigualdades de um mundo que gosta de mascarar suas feridas?

 

Agora imagine por um instante: e se o Papai Noel fosse negro? Será que a sociedade o aceitaria da mesma forma? Será que ele continuaria sendo visto como símbolo de generosidade e alegria, ou começariam a questionar sua legitimidade, como fazem com tantas outras figuras negras em posições de destaque? A pergunta não é apenas provocativa, ela revela algo mais profundo: para quem, de fato, é o Natal?

 

Enquanto muitas famílias estão ocupadas escolhendo presentes, mais de 33 milhões de brasileiros estão passando fome, segundo dados da Rede Penssan (2023). E, como sempre, as pessoas negras são as mais afetadas. Estudos do IBGE mostram que 66% das pessoas em situação de insegurança alimentar no Brasil são negras. No Brasil, o país que insiste em negar o racismo, o Papai Noel branco nos shoppings não entrega presentes para os milhões de crianças que mal têm o que comer na ceia, porque essas crianças não frequentam esses espaços.

 

O Natal, em sua essência, deveria ser uma celebração de união, solidariedade e esperança. Mas, na prática, ele se tornou um reflexo das desigualdades mais profundas da nossa sociedade. Enquanto alguns celebram com mesas fartas, outros trabalham para organizar essas mesas e tentam sobreviver ao peso de um sistema que os empurra para a margem. E, nesse sistema, a cor da pele é determinante.

 

A figura do Papai Noel, construída em grande parte por estratégias de marketing da Coca-Cola nos anos 1930, reforça um imaginário europeu: um homem branco, generoso, com poder de realizar sonhos. Novamente retorno a perguntar: E se o Papai Noel fosse negro? Será que ele seria visto como um símbolo de bondade ou despertaria os preconceitos arraigados que insistem em associar a negritude à criminalidade ou à incapacidade?

 

O racismo estrutural também marca o Natal. Enquanto vemos crianças brancas sorrindo nos comerciais, abraçando seus presentes ao lado de famílias felizes, onde estão as crianças negras? O relatório da UNICEF aponta que as crianças negras no Brasil têm 2,7 vezes mais chances de viver na pobreza extrema do que as brancas. Elas não aparecem nas propagandas natalinas porque o Natal, como nos é vendido, não foi feito para elas.

 

E o racismo não para por aí. Ele também determina quem trabalha e quem descansa durante o Natal. De acordo com o IBGE, as mulheres negras são a maior parte da força de trabalho em empregos precarizados, como trabalhadoras domésticas e operadoras de caixas de supermercado – setores que não param nem mesmo na noite de Natal. Elas estão embalando os presentes que nunca vão comprar, limpando as casas onde nunca morarão, assistindo à festa de um mundo que sempre as exclui.

 

Se o Papai Noel fosse negro, talvez ele carregasse um saco diferente. Não apenas com presentes, mas com perguntas desconfortáveis. Ele nos perguntaria: por que a fome atinge principalmente os negros? Por que o racismo ainda dita quem pode sonhar e quem precisa lutar para sobreviver? Ele provavelmente não seria convidado para as vitrines dos shoppings. Afinal, a imagem de um Papai Noel negro desafiaria o mito de que o Natal é uma festa para todos.

 

Mas há esperança. Em escolas e comunidades pelo Brasil, algumas iniciativas já começam a transformar essa narrativa. Em Salvador, na Bahia, um coletivo criou o "Papai Noel Negro" para levar presentes e alegria às comunidades periféricas, mostrando às crianças que elas podem e devem se ver representadas na figura natalina. E não apenas no Natal. O impacto simbólico de um Papai Noel negro vai além de dezembro: ele planta sementes de autoestima e pertencimento.

 

Assim, sendo o natal mágico, que todas as crianças possam se ver como protagonistas dessa “magia”.

 

É certo que o Natal como conhecemos é, muitas vezes, um espelho da exclusão. Não apenas racial, mas econômica e social. É uma festa de excessos para uns e de escassez para outros. A figura do Papai Noel branco, universal e irretocável, é apenas mais um símbolo de como as narrativas dominantes foram construídas para manter o status quo.

 

Mas imaginar um Papai Noel negro universal é, por si só, um ato revolucionário e de resistência. É questionar quem está realmente incluído nas celebrações e quem continua de fora. É lembrar que o Natal não deveria ser sobre compras, mas sobre compaixão. Não sobre privilégio, mas sobre solidariedade.

 

Enquanto você lê isso, talvez esteja pensando nos presentes que irá trocar com familiares e amigos, na ceia que logo mais será compartilhada ou nos abraços que serão trocados. Mas antes que o dia 25 (cinte e cinco) de dezembro termine, permita-se uma pausa para refletir: qual é o verdadeiro significado do Natal que estamos celebrando nos últimos anos? É sobre abundância de consumo ou sobre abundância de compaixão? Quem realmente está incluído nesse momento de celebração e quem foi esquecido, invisibilizado, deixado para trás?

 

E mais, se Papai Noel universal fosse por um dia negro ou melhor inclusive, ele nos lembraria de que o Natal não deveria ser apenas um símbolo de fartura material, mas de justiça, de igualdade e de reconstrução de laços. Ele nos perguntaria não o que estamos ganhando, mas o que estamos devolvendo ao mundo que nos cerca.

 

Então, enquanto as luzes piscam e os brindes são feitos, que este Natal seja sobre tudo o que o dinheiro não pode comprar: solidariedade, empatia, fraternidade, saúde e, acima de tudo, a coragem de construir um futuro onde ninguém precise ser esquecido para que outros possam brilhar. Que o Natal seja, enfim, de todos.

 

Um abraço fraternal a todos, Ivanda Nivaldete Vieira da Cruz Conessa.

 

Referências

IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua 2022. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2022. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: 22 dez. 2024.

REDE PENSSAN. II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, 2023. Disponível em: https://pesquisassan.net.br. Acesso em: 22 dez. 2024.

UNICEF. Relatório Situação da Infância e Adolescência no Brasil - 2022. Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2022. Disponível em: https://www.unicef.org/brasil. Acesso em: 22 dez. 2024.

COCA-COLA COMPANY. História do Papai Noel e a Coca-Cola. The Coca-Cola Company, 2023. Disponível em: https://www.coca-colacompany.com. Acesso em: 22 dez. 2024.

GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. São Paulo: Zahar, 2020.

HOOKS, Bell. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante Editora, 2019.

G1. Papai Noel negro distribui presentes em comunidade de Salvador e promove representatividade. G1 Bahia, 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/ba. Acesso em: 22 dez. 2024.

CORREIO DA BAHIA. Ação comunitária leva Papai Noel negro a crianças da periferia de Salvador. Correio da Bahia, 2023. Disponível em: https://www.correio24horas.com.br. Acesso em: 22 dez. 2024.

 

 

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Flavio SaldanhaHá 4 meses Uberaba/MGTexto com mensagem potente, importante e, acima de tudo, necessária.
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